segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Conto de bolso

E lá estava ela.
Com seus longos cachos negros caindo pelo ombro. Seus olhos - sempre atenciosos - fitavam tudo o que acontecia ao seu redor. Seus ouvidos (um pouco sujos, é verdade) eram capazes de escutar todos os barulhos daquele lugar onde mergulhara.
Palmas. Porta fechando. Passos altos (provavelmente de alguém com o dobro de sua altura). Risadas, muitas risadas. Tosse. Porta abrindo. Pessoas falando incansantemente. Passos leves. Alguém cantando (tinha uma voz que lhe doía os ouvidos). Tosse de novo.
E era só se desconcentrar um pouco no som ambiente, que eles voltavam. Os ruídos, as imagens. Tudo voltava. Mas ela preferia morrer a ter que relembrar tudo aquilo. Era maior que ela, a dor. Dava pra senti-la nos olhos, no sangue, nos ossos, na carne. E a cada lembrança, a dor alcançava lugares novos, lugares no corpo dela que até então eram desconhecidos.
Mas o que, naquele lugar, não era desconhecido para ela? Apenas as lembranças, as memórias. De uma vida que nunca poderia ter novamente. Mas ela a queria novamente? Não sabia, não sabia de mais nada. Quando a dor chegava, tudo que conseguia pensar era em não pensar.

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