domingo, 20 de maio de 2012

Reino de mudos


O mundo nunca foi economicamente tão desigual. Uma uniformização se tornou obrigatória, hostil à diversidade cultural do planeta. Os meios de comunicação da era eletrônica, a maioria a serviço da incomunicação humana, estão impondo a adoração unânime dos valores da sociedade neoliberal. Enquanto isso, nosso mundo se parece cada vez mais com um reino de mudos. Nesse mundo sem alma que os meios de comunicação nos apresentam como único mundo possível, os povos foram substituídos pelos mercados; os cidadãos, pelos consumidores; as nações, pelas empresas; as cidades, pelas aglomerações; as relações humanas, pelas concorrências comerciais. A televisão propõe um serviço completo: não apenas funciona de maneira com que se confunda qualidade de vida e quantidade de objetos, mas, além disso, oferece cotidianamente cursos audiovisuais de violência, que os videogames completam. O crime é o espetáculo mais valorizado da telinha. “Bata antes que batam em você”, aconselham os jogos eletrônicos. “Você está só, e não pode contar com mais ninguém”, Carros alçam vôo, pessoas explodem. “Você também pode matar.”
A pobreza ainda suscita pena, mas , cada vez menos, a indignação; a ideia de que os pobres são o resultado do acaso ou do fruto da fatalidade se propaga. Há 20 anos, a pobreza era vista como consequência da injustiça. A esquerda dizia, os centristas admitiam, e a própria direita não negava. Hoje em dia, a pobreza é “o justo castigo que merece a ineficiência”, ou “uma manifestação da ordem natural das coisas”. A pobreza foi desconectada da injustiça; e a própria noção de injustiça, há pouco tempo certeza universal, atenuou-se aos pousos até desaparecer. O código moral atual não condena a injustiça, mas o fracasso.
No hemisfério sul, onde vivem os perdedores, a violência é raramente considerada resultado da injustiça. É frequentemente mostrada como fruto da má conduta de seres de terceira categoria que moram no que chamam de terceiro mundo, condenados à violência porque é da sua natureza.
Carros insuperáveis, sabões prodigiosos, perfumes excitantes, analgésicos mágicos: através da telinha, o mercado hipinotiza o cidadão-consumidor. Mas, às vezes, entre um anúncio e outro, a televisão mostra algumas imagens de fome e de guerra. Esses horrores, essas fatalidades chegam de um outro mundo, do inferno, e servem apenas para realçar o caráter paradisíaco da sociedade de consumo.
Os mestres da informação, na era da informática, chamam de comunicação o monólogo do poder. A ofensiva aviltante da incomunicação nos obriga a medir a importância do desafio cultural. Mais do que nunca, é preciso enfrenta-lo quando os meios de comunicação gostariam de nos convencer a abandonar a esperança como se abandona um cavalo cansado.

Por Eduardo Galeano

Nenhum comentário:

Postar um comentário