sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Grande ser/tão imaginário

No Brasil, ao falarmos de "sertão" a imagem primariamente associada é a da região semi-árida do Nordeste, sem água e cheia de pobreza. A imagem do sertão é tão associada ao Nordeste que um sem o outro não pode ser imaginado. Em qualquer lugar do país, a figura do nordestino e a do sertanejo se confundem. Podemos dizer que isso se deve bastante à literatura regionalista, que ao falar da seca e dos que com esta sofrem, acabou por estereotipar o povo nordestino. Mas não é só por isso que se deu a criação do nordestino sertanejo e pobre; na década de vinte do século passado os brasileiros necessitavam da criação de uma identidade, raça (nacional) e principalmente de uma cultura nacional. Para ser criada uma compreensão do todo brasileiro, era preciso individualizar e identificar cada parte do território. Mas enquanto o centro-sul vivia um período de urbanização e industrialização, o Nordeste (na época chamada apenas de Norte) estava em um período de crise e por isso de submissão política e econômica às outras áreas do país. Naquele tempo, as longas distâncias entre o sul e o norte impediam que as regiões tivessem maior interação e as pessoas que não habitavam o Nordeste apenas ouviam falar deste pelos livros regionalistas e pela imprensa (préconceituosa, diga-se de passagem). Os custumes nordestinos eram vistos como bizarros e rústicos; essa definição é observada até hoje no imaginário popular - através das novelas, programas de humor, piadas etc.
Mas o termo sertão vêm de muito antes do termo Nordeste - que surge exatamente nessas condições que eu citei anteriormente. Antes de virem para o Brasil, os portugueses já se utilizavam desse vocabulário para designar as áreas situadas dentro de Portugal mas que eram longe da capital Lisboa. Além disso, os "certôes" também eram os interiores pouco conhecidos e de difícil acesso, ou seja, as terras chamadas "sem lei e sem rei". Ao virem colonizar o Brasil trouxeram tal vocabulário, e assim falou-se de sertão como sendo todas as áreas interioranas difíceis de serem "civilizadas" (diriam os portugueses)- nestas estavam incluídas as conhecidas hoje como Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. O conceito de "sertão" veio ao Brasil com os colonizadores portugueses e chegou já pronto: eram as terras longícuas, com difícil penetração, distantes do litoral e habitadas por selvagens.E ao mesmo tempo foi criado o litoral, sem o qual o sertão não existiria. Pois de onde ele seria longícuo?
As Minas Gerais foram descobertas, com a mineração não existia mais naquele local um terra desabitada. Foram para lá muitos fidalgos portugueses afim de gerar capital com o exercício da mineração, aos poucos aquela parte do "sertão" foi ficando "civilizada", já não eram mais os selvagens que a habitavam. Com o tempo o termo "sertão" foi se adequando cada vez mais a realidade da região nordeste e foi se modificando conceitualmente. A imagem do sertanejo já chegou ao Brasil deturpada. Encima da menor pluviosidade do espaço, foi criado o monstro da seca e por fim o sertão foi sendo confundido com nordeste e o sertanejo com o nordestino. Ou seja, o sertenejo deixou de ser selvagem e passou a ser pobre, bizarro, rústico, seco. É perceptível então, a criação de todo um pensamente mitológico acerca do sertão. O sertão é um pouco como Deus: na verdade ambos não existem, foram criados para serem os culpados por todos os problemas do mundo - no caso do sertão, do Brasil.

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